Noam Chomsky: Ocupemos o futuro
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Temos a plutocracia e o precariado: o 1% e os 99%, como se vê no movimento Ocupar. Não são cifras literais mas sim, é a imagem exacta. O aspecto mais digno de entusiasmo do movimento Ocupar Wall Street é a construção de vínculos que estão a formar-se em toda a parte.
Noam Chomsky, Boston, 22 de Outubro de 2011 - Foto de Occupy Boston no facebook
Dar uma conferência Howard Zinn é uma experiência agridoce para mim. Lamento que ele não esteja aqui para tomar parte e revigorar um movimento que foi o sonho da sua vida. Com efeito, ele pôs boa parte dos seus ensinamentos nisso.
Se os laços e associações que se estão a estabelecer nestes acontecimentos notáveis puderem sustentar-se durante o longo e difícil período que os espera – a vitória nunca chega logo -, os protestos do Ocupar Wall Street poderão representar um momento significativo na história norte-americana.
Nunca se tinha visto nada como o movimento Ocupar Wall Street, nem em tamanho nem em carácter. Nem aqui nem em parte alguma do mundo. As vanguardas do movimento estão a tratar de criar comunidades cooperativas que bem poderiam ser a base de organizações permanentes, de que se necessita para superar os obstáculos vindouros e a reacção contra o que já se está a produzir.
Que o movimento Ocupem não tenha precedentes é algo que parece apropriado, pois esta é uma era sem precedentes, não só nestes momentos, mas desde os anos 70.
Os anos 70 foram uma época decisiva para os Estados Unidos. Desde a sua origem este país teve uma sociedade em desenvolvimento, não sempre no melhor sentido, mas com um avanço geral em direcção da industrialização e da riqueza.
Mesmo em períodos mais sombrios, a expectativa era que o progresso teria de continuar. Eu tenho idade suficiente para recordar a Grande Depressão. Em meados dos anos 30, quando a situação objectivamente era muito mais dura que hoje, e o espírito bastante diferente.
Estava-se a organizar um movimento de trabalhadores militantes – com o Congresso de Organizações Industriais (CIO) e outros – e os trabalhadores organizavam greves e operações padrão a ponto de quase tomarem as fábricas e as comandarem por si mesmos.
Devido às pressões populares foi aprovada a legislação do New Deal. A sensação que prevalecia era que sairíamos daqueles tempos difíceis.
Agora há uma sensação de desesperança e às vezes desespero. Isto é algo bastante novo na nossa história. Nos anos 30, os trabalhadores poderiam prever que os empregos iriam voltar. Agora, os trabalhadores da indústria, com um desemprego praticamente ao mesmo nível que durante a Grande Depressão, sabem que, se as políticas actuais persistirem, esses empregos terão desaparecido para sempre.
Essa mudança na perspectiva norte-americana evoluiu a partir dos anos 70. Numa mudança de direcção, vários séculos de industrialização converteram-se numa desindustrialização. Claro, a manufactura continuou, mas no exterior; algo muito lucrativo para as empresas mas nocivo para a força de trabalho.
A economia centrou-se nas finanças. As instituições financeiras expandiram-se enormemente. Acelerou-se o círculo vicioso entre finanças e política. A riqueza passou a concentrar-se cada vez mais no sector financeiro. Os políticos, confrontados com os altos custos das campanhas eleitorais, afundaram-se profundamente nos bolsos de quem os apoia com dinheiro.
E, por sua vez, os políticos os favoreciam, com políticas favoráveis a Wall Street: desregulação, transferências fiscais, relaxamento das regras da administração corporativa, o que intensificou o círculo vicioso. O colapso era inevitável. Em 2008, o governo mais uma vez resgatou as empresas de Wall Street que eram supostamente grande demais para falirem, com dirigentes grandes demais para serem encarcerados.
Agora, para a décima parte do 1% da população que mais beneficiou das políticas recentes ao longo de todos esses anos de ganância e enganos, tudo vai muito bem.
Em 2005, o Citigroup – que certamente foi objecto em ocasiões repetidas de resgates do governo – viu o luxo como uma oportunidade de crescimento. O banco distribuiu um folheto para investidores no qual os convidava a investirem o seu dinheiro em algo chamado de índice de plutonomia, que identificava as acções das companhias que atendessem ao mercado de luxo.
O mundo está dividido em dois blocos: a plutocracia e o resto, resumiu o Citigroup. “Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá são as plutocracias-chave: as economias impulsionadas pelo luxo”.
Quanto aos não ricos, às vezes chamados de precariado: o proletariado que leva uma existência precária na periferia da sociedade. Essa periferia, no entanto, converteu-se numa proporção substancial da população dos Estados Unidos e de outros países.
Assim, temos a plutocracia e o precariado: o 1% e os 99%, como se vê no movimento Ocupar. Não são cifras literais mas sim, é a imagem exacta.
A mudança histórica na confiança popular no futuro é um reflexo de tendências que poderão ser irreversíveis. Os protestos do movimento Ocupem são a primeira reacção popular importante que poderão mudar essa dinâmica.
Eu detive-me nos assuntos internos. Mas há dois acontecimentos perigosos na arena internacional que ofuscam todos os demais.
Pela primeira vez na história há ameaças reais à sobrevivência da espécie humana. Desde 1945 temos armas nucleares e parece um milagre que tenhamos sobrevivido. Mas as políticas do governo Barack Obama estão a fomentar a escalada.
A outra ameaça, claro, é a catástrofe ambiental. Por fim, practicamente todos os países do mundo estão a tomar medidas para fazer algo a respeito disso. Mas os Estados Unidos estão a regredir.
Um sistema de propaganda reconhecido abertamente pela comunidade empresarial declara que a mudança climática é um engano dos sectores liberais. Por que teríamos de dar atenção a esses cientistas?
Se essa intransigência no país mais rico do mundo continuar, não poderemos evitar a catástrofe.
Deve fazer-se algo, de uma maneira disciplinada e sustentável. E logo. Não será fácil avançar. É inevitável que haja dificuldades e fracassos. Mas a menos que o processo que está a ocorrer aqui e noutras partes do país e de todo o mundo continue a crescer e se converta numa força importante da sociedade e da política, as possibilidades de um futuro decente são exíguas.
Não se pode lançar iniciativas significativas sem uma ampla e activa base popular. É necessário sair por todo o país e fazer as pessoas entenderem do que se trata o movimento Ocupar Wall Street, o que cada um pode fazer e que consequências teria não fazer nada.
Organizar uma base assim implica educação e activismo. Educar as pessoas não significa dizer em que acreditar; significa aprender dela e com ela.
Karl Marx disse: a tarefa não é somente entender o mundo, mas transformá-lo. Uma variante que convém ter em conta é que, se queremos com mais força mudar o mundo, vamos entendê-lo. Isso não significa escutar uma palestra ou ler um livro, embora essas coisas às vezes ajudem. Aprende-se a participar. Aprende-se com os demais. Aprende-se com as pessoas com quem se quer organizar. Todos temos de alcançar conhecimentos e experiências para formular e implementar ideias.
O aspecto mais digno de entusiasmo do movimento Ocupar Wall Street é a construção de vínculos que estão a formar-se em toda a parte. Esses laços podem manter-se e expandir-se, e o movimento poderá dedicar-se a campanhas destinadas a porem a sociedade numa trajectória mais humana.
Este artigo é uma adaptação da intervenção de Noam Chomsky no acampamento Occupy Boston, na praça Dewey, em 22 de Outubro. Ele falou numa aatividade de uma série de Conferências em Memória de Howard Zinn, celebrada pela Universidade Livre do Ocupar Boston. Zinn foi historiador, activista e autor de A People’s History of the United States.
Artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, tradução de Katarina Peixoto para Carta Maior
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