estávamos à espera de quê?
Pretendo escrever um post o mais sucinto possível e não me alongar
muito...
A questão que se impõe: estávamos à espera do quê? (Por
nós, refiro-me à minha geração que já foi considerada rasca, por outros à rasca
e que tem hoje 40, 50 anos, pelo 25 de abril andávamos pelos 10, 20
anos,
Paula Rego, "Mulher Cão", Pastel de Óleo, 1994, Tate Gallery.
Nossos pais viveram um país de censura mental e moral, uma
ditadura de costumes que até a roupa que se vestia, o bigode, as patilhas, o
casamento, eram motivo de censura. um país paroquial, no qual o padre
representava e transmitia a opinião central, tantas vezes coadjuvado pelo
professor ou pelo médico. um país em que as mulheres vestiam um eterno luto
negro e os homens descobriam a cabeça, tirando o boné ou o chapéu aos
senhorecos da terra. um país descalço, de fundilhos nas calças e de sorrisos de
criança precocemente cariados. Um país em que não se "podia voar alto
porque tinha um teto demasiado baixo" ( Mário Cesariny de Vasconcellos).
Um país em que os artistas eram emigrantes.
Apresenta-se como "pai fundador da democracia" um homem como
Mário Soares, elege como primeiro presidente da república, em eleições livres,
o general Ramalho Eanes. Conta no seu plantel de governantes pessoas como
Guterres, Sócrates, Balsemão, Durão Barroso, Cavaco Silva, Passos Coelho,
Santana Lopes (é bom não esquecer que até o estroina do Santana chegou a 1º
ministro deste país... Outros, Armando Vara, Jorge Coelho, Dias Loureiro,
Duarte Lima, Maria de Belém Roseiro, Maria de Lurdes Rodrigues,
António Vitorino, Fernando Gomes, Cadilhe, Portas e outros ainda piores.
Um país que tem como pitonisas Marcelo Rebelo de Sousa, Vasco
Pulido Valente e Pacheco Pereira.
Como novos "velhos do Restelo" Medina Carreira diariamente e aos
dias ímpares António Barreto.
Dos autarcas que temos democaticamente eleito, nem vale a pena e
ainda temos o Sr. Alberto João, na Madeira.
Um país que do "charme" lastimoso "dos ballet rose" passou à "pimbalhada pedófila", e hedionda, demasiado triste para parecer verdade, da Casa Pia...
E a tudo fomos fechando os olhos, assobiando para o lado. A tudo,
calámos, nada dissemos...
Estávamos à espera do quê?
Depois de Zeca ter cantado "será o apocalipse ou a torneira a pingar no bidé?".
Depois de Zeca ter cantado "será o apocalipse ou a torneira a pingar no bidé?".
Nós que inventámos o desenrascanso e a vigarice e espalhámos estas
nobres artes por todo o mundo, "globalizando avant-la-lettre".
Tudo consentímos...
Esperávamos o quê?
Uma nova revelação e respetivo milagre em Fátima? O Benfica
campeão? Um tachito que nos desenrolasse a vida e uma cunha para enfiar o rapaz
ou rapariga, lá de casa, na função pública, num banco, numa boa empresa...
Esperámos feitos nêsperas do Mário-Henrique Leiria* e agora veio
uma velha (Angela Merkl, a título meramente simbólico) e, zás, comeu-nos.
Mas, estávamos à espera de quê?
*RIFÃO QUOTIDIANO
Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
Mário-Henrique Leiria
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