o debate que esperamos e desejamos!

Sábado, 9 de Julho, 14h30m
FCSH, Auditório I
Lisboa - Av. Berna, 26 (Metro Campo Pequeno)

As eleições legislativas abriram um novo ciclo político em Portugal. Esse novo ciclo, que poderíamos designar como a era dos credores inicia-se sob o signo de uma maioria absoluta da direita com um programa radical de recessão económica, privatização desenfreada e destruição do Estado Social e dos Direitos do Trabalho.
Este novo contexto coloca questões fundamentais a toda a esquerda que queira construir convergências para uma alternativa política à vertigem da austeridade. Como construir essas convergências e qual o papel do Bloco na sua promoção é o que nos propomos discutir com todas e todos os interessados.
Em breve será divulgado um texto que servirá de base para a discussão.
Org.: Associação Fórum Manifesto

EM TEMPOS DE CRISE, UM NOVO CICLO PARA O BLOCO DE ESQUERDA


1. Sobre as razões de uma derrota tão significativa do Bloco de Esquerda, nas últimas eleições legislativas, já muitos balanços foram feitos. O debate está a fazer-se dentro e fora do Bloco, como se exige num partido que quer viver aberto à sociedade. Todos os balanços são úteis e o debate continuará. É provável que em todos eles encontremos pistas que nos ajudem a explicar a fuga de tantos eleitores. Nesta matéria, apenas se devem recusar as explicações que desresponsabilizam. Por outro lado, não olhamos para este resultado como um mero reajustamento que devolveria o Bloco de Esquerda à sua “verdadeira” dimensão eleitoral. Vemos e continuamos a ver o Bloco como um espaço alargado de confluência à esquerda e um instrumento político para a transformação social e cultural do país. Também por isso recusamos qualquer leitura que despreze os sinais dados pelos eleitores, criando uma falsa dicotomia entre luta social e luta institucional, entre a rua e as urnas, entre o protesto e a representação parlamentar. Elas alimentam-se mutuamente. Acção social e representação institucional devem interagir e nem sempre encontrámos esse equilíbrio.

2. Interessa-nos, acima de tudo, o futuro. Que Bloco precisamos para o novo período em que entrámos? Quais as debilidades internas que temos de vencer? Que contributos pode dar o Bloco para ajudar a engrossar a resistência à nova fisionomia e intensidade da ofensiva neoliberal e para construir alternativas viáveis? Qual a nossa política de alianças? Quais as prioridades programáticas e de acção que esta nova circunstância impõe? Como renovar e revitalizar a vida do partido?

3. A crise colocou os credores ao leme dos destinos da economia, num processo de saque social e de chantagem sobre as democracias. Esta regressão exige um reajustamento geral para a construção de uma agenda política capaz de mobilizar no protesto e na popularização de alternativas. Alternativas que não ignorem a actual correlação de forças sociais e o dilema com que Portugal e a Europa estão confrontados: ou se avança no sentido duma Europa realmente democrática e solidária, com emissão de euro-obrigações, mudança do estatuto do BCE, taxação das transacções financeiras e aumento do orçamento europeu, ou estaremos perante a necessidade de recuperação nacional de muitos dos instrumentos de pilotagem da economia entretanto perdidos com um euro disfuncional. A política de austeridade que nos é apresentada como inevitável é inviável porque é incompatível com o Estado social e, em última instância, com a democracia.


4. Assumimos a defesa do Estado Social e do modelo constitucional democrático como eixos de convergência fundamentais, num tempo em que um e outro se encontram sob ataque e em vários domínios sob risco. Estas são as tarefas prioritárias da acção política do Bloco de Esquerda na “era dos credores” e são elas que determinam as convergências e alianças à escala nacional e europeia. Neste contexto defensivo, a esquerda procura enfraquecer o campo da Troika. É do interesse da resistência social que o PS seja, sempre que possível, subtraído ao sequestro a que o governo de direita o sujeita, em nome do Memorando de Entendimento que subscreveu.

As fragilidades do Bloco

5. O Bloco parte debilitado para anos de combate muito duros. Sabemos hoje que o resultado eleitoral é mais sintoma do que causa das nossas fragilidades. O Bloco é um partido com uma base militante demasiadamente reduzida para a sua influência política e social, o que cria, não raro, diferenças apreciáveis de opinião entre o partido “interno” e o partido “externo”. O Bloco é demasiado centralista no seu funcionamento, com pouco espaço para a sua construção a partir da base e dos interesses e saberes dos próprios aderentes. O Bloco sofre ainda do peso excessivo das correntes fundadoras na vida do partido. Se a sua articulação permitiu a afirmação de um partido plural, o poder desproporcionado que têm acaba por limitar o exercício da democracia participativa e procedimentos de renovação de quadros sem cooptações ou quotas informais. Para que não haja dúvidas, o Manifesto assume plenamente a sua parte de responsabilidade neste tipo de práticas e na cultura que lhe está associada.

6. Para lidar com a diversidade que nos fez capazes de atrair gente com percursos tão diferentes, o Bloco construiu uma direcção coesa que soube evitar conflitos estéreis. Mas, passados 13 anos, e ante um ciclo político qualitativamente novo, a renovação da equipa dirigente apresenta-se como um processo inevitável e inexorável. Ela deve ser realizada de forma sustentada e em unidade. E terá consequências na democracia que praticamos, porque a herança da fundação deixa de ser fonte de legitimação.

7. Para lidar com o facto da sua militância ser demasiado reduzida, o Bloco foi mantendo uma apreciável abertura ao exterior, protegendo-se dos instintos sectários e autosuficientes, naturais em todas as organizações. Nesta atitude, que é também uma cultura, a direcção foi muitas vezes decisiva. Acreditamos que esta responsabilidade deve passar a ser assumida de forma mais plena por todo o partido.

8. Para lidar com a fragilidade dos movimentos sociais e com o papel hegemónico que o PCP detém no movimento sindical, o Bloco procurou soluções criativas. Os seus activistas valorizam as comissões de trabalhadores e nos sindicatos a unidade com vários sectores independentes das orientações mais ortodoxas. Onde os movimentos sociais são mais frágeis e os problemas mais recentes, procuramos soluções mais informais. Mas, no seu conjunto, o calcanhar de Aquiles do Bloco é a sua insuficiente radicação social. Demasiadas vezes temos dificuldade em ouvir, nem sempre integramos novas experiências e até se “inventam” movimentos onde eles não existiam, sem cuidar de lhes dar espaço para crescerem fora de tutelas. Seja como for, mesmo em tempos de crise económica, o Bloco deve continuar a envolver-se em todas as lutas emancipatórias, recusando a falsa dicotomia entre temas “maioritários” e “fracturantes”.

Uma ampla aliança social e política



9. Nascemos para contrariar um bloqueio à esquerda, marcado por um PS desistente das alternativas e tantas vezes protagonista da agenda neoliberal, e um PCP fechado numa perspectiva estritamente resistente. A nossa relação com estes dois partidos não tem estado isenta de equívocos. Dispensamos posturas sectárias em relação ao PCP. Mas com a mesma convicção rejeitamos qualquer tipo de mimetismo político em relação a este partido. Esta clareza é essencial para que o Bloco chegue a muitos dos que nunca viram no Partido Comunista a resposta para as suas ansiedades e desejos. Recusamos igualmente o ponto de vista daqueles que gostariam de ver o Bloco como um “CDS da esquerda”, disponível para ser muleta do Partido Socialista em troca de lugares no poder. Isto não nos deve impedir de manter uma interlocução privilegiada com todos os socialistas cuja acção política se afaste da capitulação perante a hegemonia neoliberal. Este ponto de vista é o único que tem em conta a crise de identidade que a social-democracia atravessa em toda a Europa.

10. A nossa política de alianças não nos deve afastar de qualquer um dos sectores do “povo de esquerda” em nome de proclamações de princípio. Qualquer ilusão de autosuficiência está derrotada à partida. Não desistimos da construção da “esquerda grande”, por difíceis que tenham sido os primeiros ensaios. Temos a humildade de saber que essa esquerda de transformação e com ambição maioritária não se esgota nem se esgotará no espaço do Bloco de Esquerda.

11. A fraquíssima implantação local e autárquica do Bloco é outro dos seus principais problemas. É necessário construir uma nova visão sobre o poder autárquico. Por ser aquele que, estando mais próximo das populações, mais facilmente põe à prova a capacidade dos nossos eleitos fazerem diferente. Por ser aquele que, mais liberto de clivagens ideológicas e históricas, permite construção de alianças à esquerda e de relações de confiança na base. Não conseguimos afirmar-nos neste terreno porque nos faltam quadros intermédios. Faltam-nos quadros intermédios porque não temos implantação autárquica. Só a dinamização de verdadeiros projectos políticos que aliem desenvolvimento local e dinâmicas de transformação social, serão capazes de gerar alianças com militantes de esquerda e cidadãos independentes comprometidos com o bem estar das populações. Por aqui se deve começar a desatar este nó. As próximas eleições autárquicas, pela profunda renovação do poder local que a limitação de mandatos vai implicar, devem marcar um novo ciclo no tipo de intervenção local e eleitoral do Bloco de Esquerda.

12. O Bloco deve ter para o poder autárquico uma estratégia de alianças semelhante à que pratica nas causas sociais e políticas. Sem preconceitos nem clarificações forçadas, o Bloco deve trabalhar com todos os que, em cada momento, estejam dispostos a trilhar caminho em comum para objectivos concretos que dêem corpo a alternativas locais claras ao programa neoliberal. Os activistas do Bloco devem ser um factor de unidade e convergência, sem tentativas de afirmação partidária inúteis, e no domínio das políticas de território, devem promover a cidadania organizada e o envolvimento de homens e mulheres sem partido. É da forma exemplar com que trabalharmos com os outros que poderemos recuperar capacidade de atracção e novos activistas.

Renovar e “descorrentizar” o Bloco

13. Para abrir este novo ciclo na acção do partido é fundamental iniciarmos um outro na nossa vida interna. Começando por estimular uma mais activa participação democrática dos aderentes na vida do partido. Dando às estruturas intermédias mais poder e autonomia (desde logo na política local e autárquica, onde as estruturas nacionais devem ter apenas um papel corrector em casos de claro desvio a valores fundamentais para o partido). Procedendo a alterações estatutárias – por exemplo, na organização e funcionamento das convenções – que contrariem a cristalização de correntes e tendências e dêem ao partido maior capacidade para fazer um debate construtivo e livre. O Bloco tem os próximos anos para se reinventar da base para o topo como projecto politico unitário, capaz de envolver muito mais aderentes em função dos seus próprios interesses.

14. Defendemos um processo de “descorrentização” do partido. O facto de pertencermos, nós próprios, a uma corrente, não nos inibe de defender com toda a convicção esta posição. Consideramos que as correntes que deram origem ao Bloco, e que se têm coordenado no espaço da “maioria”, constituíram um ganho para o partido. Mas o que se revelou uma vantagem tem vindo, progressivamente, a transformar-se numa dificuldade. As correntes da maioria devem encontrar na formação a sua vocação. De forma articulada deveriam dar início a um processo em que os seus activistas se auto-inibem de concertar posições fora dos próprios órgãos do bloco. É nesse processo que o Fórum Manifesto se empenhará a partir deste Encontro.

15. Independentemente dos contributos diversos e diferenciados que cada um de nós deu e continuará a dar em todos os momentos deste debate interno, este é o contributo colectivo de um espaço de reflexão e intervenção politica que, com outros procurou, com erros e acertos, dar vida à mais importante esperança que a esquerda portuguesa recebeu na última década – o Bloco de Esquerda. Sabemos que a alternativa ao debate franco e sem tabus é a falta de clareza na divergência e a falta de arrojo nas soluções. É nos momentos difíceis que os partidos testam a sua vitalidade democrática. E é para ajudar a reforçar o Bloco que aqui estamos. Perante a crise que vivemos em Portugal e na Europa, toda a esquerda vai precisar do Bloco. E o Bloco vai precisar de toda a esquerda.


Pelo Conselho Geral do Fórum Manifesto:
Ana Drago, António Chora, Daniel Oliveira, Marisa Matias, Rogério Moreira, João Rodrigues, José Gusmão, José Manuel Pureza, Jorge Nascimento Fernandes, Maria Emília Costa, Maria José Espinheira, Maria José Vitorino, Margarida Santos, Miguel Cardina, Miguel Portas, Tiago Ivo Cruz e Vítor Sarmento  

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