SANTO MORTO, SANTO POSTO

  1. (a propósito de uma homenagem, em Lisboa, ao Padre António Vieira)
    Na semana passada, a Câmara Municipal de Lisboa e o Ministério da Cu...ltura, prestaram justa homenagem ao Padre António Vieira (Lisboa 1608 ~ Bahia 1697), homem do séc. XVII, jesuíta, grande orador, diplomata, opositor da Santa Sé, defensor dos povos indígenas brasileiros e grande cultor da língua portuguesa que a ele deve quase tudo do que hoje é. Cultor da língua mais ainda que Camões, mas isso são outras atribulações.
    Tudo corria bem e terminaria melhor não fosse um homem de grandes qualidades também, Mamadu Bá, dirigente de uma associação de nativos da Guiné-Bissau, em Portugal, mais uns quantos de apaniguados seus ter interrompido a cerimónia alegando que o bom do Padre Vieira havia defendido a escravatura em alguns dos seus escritos.
    Se é verdade que algumas das suas frases esparsas nos seus textos nos levem a perceber uma posição pró esclavagista do Padre, sobretudo dos negros africanos, com os quais provavelmente terá tido um contacto mais raro, não deixa de ser verdade que o Padre Vieira é provavelmente o primeiro ocidental a escrever contra a escravatura e a defender a igualdade dos índios americanos como nossos iguais e daí não poderem ser escravizados.
    O que me irrita não é o senhor Mamadu Bá, nem os seus apaniguados, este senhor terá a sua missão na terra e estará certamente a cumpri-la o melhor que pode e sabe.
    O que me irrita são estas tentativas mesquinhas de se querer julgar a História e porventura reescrevê-la à luz dos conhecimentos, da cultura e das mentalidades coetâneas.
    A História é um lugar lá atrás que nos deve ajudar a construir o presente e a preparar o futuro, mas foi o que foi e não podemos exigir que fosse de outra maneira.
    O Padre Vieira viveu no século XVII, ainda assim nos seus sermões fustigou a sociedade do seu tempo, a luxúria e o luxo em que muitos viviam desprezando os miseráveis, enfrentou a Inquisição, defendeu judeus, opôs-se à escravização dos nativos brasileiros, de um “amontoado” de frases e palavras duras criou uma língua bela, doce e suave…
    Porra! O que querem que o homem fizesse mais?
    Miguel Torga, foi uma vez convidado a discursar numa universidade brasileira (não recordo qual, mas encontrarão nos seus diários), no fim, uma jovem excitada interpelou-o “- o senhor devia ter vergonha e pedir desculpa aos índios brasileiros que foram escravizados pelos seus avós”, ao que Miguel Torga retorquiu “- minha cara menina, os meus avós nasceram em Trás os Montes, felizmente ainda lá vivem e nunca de lá sairão em toda a sua vida. Por isso se alguém escravizou os índios do Brasil foram os seus avós, não os meus”.
    Em nota de rodapé, posso também questionar o senhor Mamadu Bá, os escravos negros eram capturados no interior de África e trazidos até aos navios negreiros (normalmente os brancos que negociavam em tudo e também em escravos, raramente deixavam os portos e evitavam internar-se no interior) aos quais eram vendidos por quem?
  2. jaime crespo

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