A ESPANHA VISTA DE PORTUGAL
Confesso que sempre gostei da Espanha. É uma daquelas paixões totais que não sabemos de onde vem, mas que se transformam em amor eterno.
Nunca levei a sério dizeres populares como “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”. Muito menos acreditei nas fabulosas batalhas, nas quais cada português se desenvencilhava de 7 espanhóis, nem na terrível espada de D. Afonso Henriques que exigia na atualidade cinco homens adultos para pegarem nela.
Este amor à Espanha é tanto mais surreal quando eu da Espanha conheço nada.
Estive em dois ou três locais mixurucas. Estive três ou quatro vezes em Valência de Alcântara e uma dúzia, se tanto em Badajoz.
Quando um português diz “gosto do meu país e do meu povo”, refere-se obviamente a Portugal e ao povo português. Depois há as pirraças entre nós, do minhoto, do transmontano, do alentejano, do algarvio, etc., mas não passam disso, de brincadeiras.
Já um espanhol quando diz gostar do seu povo e do seu país, fá-lo a maior parte das vezes referindo-se ao seu rincão natal, à Galiza, ao País Basco, à Catalunha, a Castela, etc. raramente se refere a todo o povo espanhol e a toda a Espanha.
Estas diferenças têm a ver como foi feita a “reconquista cristã” na Península Ibérica e de como a unidade nacional é conseguida muito cedo em Portugal e em Espanha, apesar de uma unificação tardia, cada povo dessa grande Espanha não perde a sua identidade ancestral, nem nunca vai encarar a Espanha como uma unidade mais que política.
Enquanto Portugal chega ao atual território e às atuais fronteiras, mais quilómetro menos quilómetro, desde o tempo de D. Afonso III, conquista o Algarve em 1249 e chega a acordo com Castela em 1267, para a zona do Caia e de Badajoz.
Enquanto isto, a Espanha apenas é unificada já no século XVIII e centraliza a capital e o poder político em Madrid.
Em Portugal, pelo menos desde D. João II (1455 a 1495) que tem centralizado em Lisboa um poder político e económico forte.
Portugal transforma-se numa unidade, a Espanha torna-se uma diversidade.
Este passado comum, mas de vivências bem diversas, molda os povos da atual Península Ibérica, dando a Portugal uma unidade geográfica, histórica, linguística e popular, em Espanha tudo é diverso.
O que levou Portugal a viver com poucas convulsões e tudo se resolvia normalmente em Lisboa, ao fim de dois ou três dias.
Já a Espanha tem vivido entre convulsões, umas mais graves que outras, sendo provavelmente a mais marcante, a Guerra Civil que a envolveu há cerca de oitenta anos apenas. Guerra que nunca terá sarado as suas feridas, abrindo-se por vezes as cicatrizes pondo a nu suas feridas.
Será por isso que o olhar dos portugueses sobre a Espanha, é o daquele burguês que assiste à largada de touros no conforto da sua varanda, mas não se coíbe de ir dando conselhos aos moços que correm à frente, entre e atrás dos bois.
Lá vai gritando “- ó pixote, eu batia-lhe entre os cornos, tens é medo, pá, eu já lhe tinha agarrado o rabo…”.
Vem todo este arrazoado a propósito da questão da Catalunha.
Não me sinto habilitado a ditar “bocas” sobre o problema, não tenho arrogância moral ou intelectual para tomar uma posição clara sobre se os catalães têm direito a escolher ou a rejeitar a sua independência em relação ao resto da Espanha. Mas tenho o direito de pensar sobre o assunto e apresentar o resultado da minha reflexão.
Uma coisa é certa, há muito que os catalães já tinham manifestado intenção em efetuar o dito referendo, dando ao governo central e sobretudo ao Rei, tempo mais que suficiente para encontrar a saída política para o assunto e não o fizeram. O que dá azo a pensar-se que ambas as instituições (Rei e governo central) foram deixando andar as pretensões catalãs, a preparação do referendo, para que dois ou três dias antes, uma força violenta e repressiva por parte da guardia civil resolvesse o assunto. Ora, quase sempre o que é planeado com antecipada malvadez corre mal e as coisas na Catalunha não podiam ter corrido pior. As pessoas resistiram, a polícia local evitou ao máximo entrar nas cargas policiais e apesar das condições pouco democráticas e livres, o referendo realizou-se e os resultados mesmo duvidosos estão aí.
Se é verdade que hoje conseguiram em algumas das outras províncias, mobilizar milhares de pessoas em favor de uma Espanha unida, também é verdade que não conseguiram mobilizar gente que se visse no País Basco, na Galiza e enfim, nas províncias a norte e na Comunidade Valenciana.
Ainda sobre as manifestações de hoje elas demonstram que é relativamente fácil mobilizar meia Espanha contra a Catalunha, mas a História também tem demonstrado que é bastante fácil metade de Espanha levantar-se contra a outra metade.
Aconteça o que acontecer na e com a Catalunha o que me parece é que o Rei e Rajoy fizeram um grande serviço a favor de quem os contesta.
No curto prazo, não me admiraria ver Rajoy pedir a demissão e convocar eleições gerais, nem de ver engrossar nas ruas as manifestações, que cada dia vão engrossando, daqueles que anseiam por uma Espanha republicana e devolver o Rei ao seu chalé no Estoril.
Jaime crespo
quadro: o acrobata, Pablo Picasso
Nunca levei a sério dizeres populares como “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”. Muito menos acreditei nas fabulosas batalhas, nas quais cada português se desenvencilhava de 7 espanhóis, nem na terrível espada de D. Afonso Henriques que exigia na atualidade cinco homens adultos para pegarem nela.
Este amor à Espanha é tanto mais surreal quando eu da Espanha conheço nada.
Estive em dois ou três locais mixurucas. Estive três ou quatro vezes em Valência de Alcântara e uma dúzia, se tanto em Badajoz.
Quando um português diz “gosto do meu país e do meu povo”, refere-se obviamente a Portugal e ao povo português. Depois há as pirraças entre nós, do minhoto, do transmontano, do alentejano, do algarvio, etc., mas não passam disso, de brincadeiras.
Já um espanhol quando diz gostar do seu povo e do seu país, fá-lo a maior parte das vezes referindo-se ao seu rincão natal, à Galiza, ao País Basco, à Catalunha, a Castela, etc. raramente se refere a todo o povo espanhol e a toda a Espanha.
Estas diferenças têm a ver como foi feita a “reconquista cristã” na Península Ibérica e de como a unidade nacional é conseguida muito cedo em Portugal e em Espanha, apesar de uma unificação tardia, cada povo dessa grande Espanha não perde a sua identidade ancestral, nem nunca vai encarar a Espanha como uma unidade mais que política.
Enquanto Portugal chega ao atual território e às atuais fronteiras, mais quilómetro menos quilómetro, desde o tempo de D. Afonso III, conquista o Algarve em 1249 e chega a acordo com Castela em 1267, para a zona do Caia e de Badajoz.
Enquanto isto, a Espanha apenas é unificada já no século XVIII e centraliza a capital e o poder político em Madrid.
Em Portugal, pelo menos desde D. João II (1455 a 1495) que tem centralizado em Lisboa um poder político e económico forte.
Portugal transforma-se numa unidade, a Espanha torna-se uma diversidade.
Este passado comum, mas de vivências bem diversas, molda os povos da atual Península Ibérica, dando a Portugal uma unidade geográfica, histórica, linguística e popular, em Espanha tudo é diverso.
O que levou Portugal a viver com poucas convulsões e tudo se resolvia normalmente em Lisboa, ao fim de dois ou três dias.
Já a Espanha tem vivido entre convulsões, umas mais graves que outras, sendo provavelmente a mais marcante, a Guerra Civil que a envolveu há cerca de oitenta anos apenas. Guerra que nunca terá sarado as suas feridas, abrindo-se por vezes as cicatrizes pondo a nu suas feridas.
Será por isso que o olhar dos portugueses sobre a Espanha, é o daquele burguês que assiste à largada de touros no conforto da sua varanda, mas não se coíbe de ir dando conselhos aos moços que correm à frente, entre e atrás dos bois.
Lá vai gritando “- ó pixote, eu batia-lhe entre os cornos, tens é medo, pá, eu já lhe tinha agarrado o rabo…”.
Vem todo este arrazoado a propósito da questão da Catalunha.
Não me sinto habilitado a ditar “bocas” sobre o problema, não tenho arrogância moral ou intelectual para tomar uma posição clara sobre se os catalães têm direito a escolher ou a rejeitar a sua independência em relação ao resto da Espanha. Mas tenho o direito de pensar sobre o assunto e apresentar o resultado da minha reflexão.
Uma coisa é certa, há muito que os catalães já tinham manifestado intenção em efetuar o dito referendo, dando ao governo central e sobretudo ao Rei, tempo mais que suficiente para encontrar a saída política para o assunto e não o fizeram. O que dá azo a pensar-se que ambas as instituições (Rei e governo central) foram deixando andar as pretensões catalãs, a preparação do referendo, para que dois ou três dias antes, uma força violenta e repressiva por parte da guardia civil resolvesse o assunto. Ora, quase sempre o que é planeado com antecipada malvadez corre mal e as coisas na Catalunha não podiam ter corrido pior. As pessoas resistiram, a polícia local evitou ao máximo entrar nas cargas policiais e apesar das condições pouco democráticas e livres, o referendo realizou-se e os resultados mesmo duvidosos estão aí.
Se é verdade que hoje conseguiram em algumas das outras províncias, mobilizar milhares de pessoas em favor de uma Espanha unida, também é verdade que não conseguiram mobilizar gente que se visse no País Basco, na Galiza e enfim, nas províncias a norte e na Comunidade Valenciana.
Ainda sobre as manifestações de hoje elas demonstram que é relativamente fácil mobilizar meia Espanha contra a Catalunha, mas a História também tem demonstrado que é bastante fácil metade de Espanha levantar-se contra a outra metade.
Aconteça o que acontecer na e com a Catalunha o que me parece é que o Rei e Rajoy fizeram um grande serviço a favor de quem os contesta.
No curto prazo, não me admiraria ver Rajoy pedir a demissão e convocar eleições gerais, nem de ver engrossar nas ruas as manifestações, que cada dia vão engrossando, daqueles que anseiam por uma Espanha republicana e devolver o Rei ao seu chalé no Estoril.
Jaime crespo
quadro: o acrobata, Pablo Picasso
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