verão frio, verão quente

verão frio, verão quente
vai frio este verão, meus ossos, minha carne, minhas veias, minha pele, meu corpo anseia pelo verão quente.
o coração gela e nada há que o aqueça.
tenho saudades da canícula alentejana, do ar que estala a pele, da sesta fresca, por detrás de grossas paredes de pedras caiadas de branco e debruadas de azul ou amarelo. da sesta que dá argúcia ao pensamento e aclara as ideias. da sede matada em água fresca num cântaro de barro.
verão quente…
no vídeo abaixo, Zeca Afonso pergunta “onde estão as novas gerações? Estão a curtir uma de quê?”. Zeca, sei que foste boa pessoa e dizem-me, os que te conheceram, que ingénuo até. Não viste, ou ignoraste, que este país não tem gerações, tem apenas uma amálgama de novos e velhos que se “indignam sossegados” (Miguel Torga).
este é o fado nosso de cada dia.
não sei se no concerto de onde foi retirado o vídeo, se noutro concerto no coliseu, Zeca Afonso, ao introduzir Fausto em palco, recorda memórias passadas e referia “dos tempos do saudoso prec, do sempre saudoso e nunca desmentido prec”.
há tempos, o camarada Jerónimo também dizia “estamos a viver um novo prec, só que este é ao contrário, é o prec dos ricos”.
o Zeca já lá está, posto em sossego, alguém avise o camarada Jerónimo que nunca houve prec dos pobres, aqui e em toda a parte todos os precs foram dos ricos, senão de uns de outros e na falta de todos lá estava o Estado, esse avô cavernoso, a zelar pelos bens dos ricos.
os pobres, quanto muito, tiveram direito a três dias, mal medidos, de festa na aldeia: fato domingueiro, chapéu ou lenço novos, com missa, procissão, peditório com banda filarmónica, foguetório, copos de vinho e laranjada, jogo do belho na tasca do chico antonho, tourada à vara larga, arraial até de madrugada, atuação do José Cid ou do marco Paulo, a meio espectáculo de fogo preso, cumprimentam-se os compadres, visitam-se as comadres.
mas, finda a ilusão ou bebedeira, o prec continua a ser dos ricos. essa é que é Eça!
Ai que saudades tenho do verão quente…
… e já agora, com um prec a sério, um PREC que fosse do povo, aquele que devia ser “quem mais ordena”.


http://youtu.be/ZUEeBhhuUos

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